segunda-feira, 2 de novembro de 2020

«Os grandes animais», Inês Fonseca Santos

- este era uma dos livros que E. levava, de manhã cedo, para a «Fila LDL», na 1.ª ONDA CVD...; dito, pela própria, na «Vida Breve» de 27 - 02**: 
- enviado aos três Blocos, na Secção «Acesso Bloqueado», teve a mesma reacção de sempre: NULA...
- assim  marcha a «Escola do Paraíso CVD»...

OS GRANDES ANIMAIS

Ser senhor dos seus humores
é o privilégio dos grandes animais.
Albert Camus
 
Em Auschwitz-Birkenau trabalhei
o poema à exaustão. Ao fundo,
uma palavra antiga: Ullmann murmurando o eterno
 
was wollen Sie hier?
 
Música e lava,
o espanto de haver aqui qualquer coisa próxima
de uma morada: portas, paredes, em cada gesto
literatura sobre tanta vergonha acumulada.
 
Auschwitz, Birkenau habitam hoje o interior
dos versos; são vivos fitando o embaraço
da sobrevivência. O aviso chegou-me de um amigo:
 
o eterno é um número indelével,
 
memória desocupada de quem não viu
do território o ferro.
 
Não será assim tão longo o mundo
que não vos voltemos a fitar:
os pés assentes no carvão dos corpos,
os grandes animais por companhia.
 
Ah, os grandes animais: não o cavalo
que cospe quem o monta, mas a barata
que silenciosamente escapa
ao pé que a pisa.
 
Inês Fonseca Santos, Os grandes animais, com Ilustrações de João Maio Pinto, Abysmo, 2020 (Janeiro), p. 19