quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

«tudo pode ser roubado», Giovana Madalosso

 - rapidamente terminada, a 2.ª leitura de G. Madalosso; a narradora-protagonista, garçonete em S. Paulo, e ladra «parcimoniosa», concretiza uma (maior) encomenda: o roubo da 1.ª edição de «Guarany». de José de Alencar [...]

RECORTE:

[...] meus olhos recaem sobre a mesinha, sobre a agenda coberta de post-its. Pego-a nas mãos. A capa é de um plástico duro e transparente, transparente como vidro, algo incomum de ver por aí. Descolo os post-its. Leio: O Guarany. Meus dedos tremem, tremem com nunca tremeram. Respiro fundo, tento me acalmar. Então é isso, a capa de plástico esta aí para proteger o livro, o papel deteriorado, a lombada a ponto de descosturar. Mantenho uma mão embaixo da capa, seguro-a como se segurasse uma bandeja cheia de taças de cristal. Com a outra mão, começo a folhear a edição, meus dedos como pinças movendo cada uma das páginas. Até que encontro: 1.ª edição. 1857. Puta merda, tenho vontade de gritar. [...]

Giovana Madalosso, tudo pode ser roubado, Tinta-da-China, 2022, pp. 184-185

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

J. B.

 - «Hist. de Roma», na Feira saído, foi então lido até ao «meio» [...] - espera «recomeço» [...] 

- No Palácio, I.R e F. B. informaram D. que J. B. fará uma Visita, em 2223 - D. aguarda [...]... - entretanto, J. B. no «Todas as palavras» de 18 de Novembro [...]

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Nascido(s) a 20 de Janeiro OU «nomem est omen»

 - [pelas 8 e 30, A. R., de OURIV. veio falar sobre Mafra (O Convento, claro), para algo denominado «Poder e Contrapoder» - R. raramente se «sincroniza» com tais [...], «vamos a ver»]

- [a leitura de --- ora interrompida - reconduziu D. à obra «Mínima» de A. Faria, no caso, a «O conquistador», de que se alcançou, pelas 11, o final do I Bloco] 

Recortes daí:
[...] Nas vãs tentativas de conversar comigo, Catarina recorria à narrativa do meu aparecimento, por ter esgotado todos os temas. Mas a verdade pode surgir da mentira repetida. O meu bilhete de identidade marca a data de vinte de janeiro de mil novecentos e cinquenta e quatro para o meu nascimento [...] Nome completo: Sebastião Correia de Castro.
      A minha história preferida, [...]  era a daquele rei com quem me orgullhava de partilhar o nome e que nasceu quatro séculos certos, dia por dia, antes de mim. Hoje concordo que nomem est omen. E Catarina achava que, por S. Sebastião ser mártir da cristandade, o rei meu homónimo se sentiu provavelmente obrigado a lançar-se numa absurda batalha contra os árabes, [...] 

Almeida Faria, O conquistador (1990), pp. 40, 41, 2017

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Suíte Tóquio; Giovana Madalosso - «Que Nome é o Seu?»

 - [manhãs de Leitura, neste «inopinado temporário» estagiar no Palácio...; -alcançada a página 23, RECORTE:

"[...] Enquanto rasgo a embalagem do garfinho descartável, conto para Cora que vamos até uma cidade chamada Presidente Prudente, longe pra burro, pra lá do interior. Depois fico quieta, mastigando, pensando que vamos chegar às seis e meia da tarde e que mais ou menos por essa hora vão começar a dar falta da gente, mas tudo bem porque já vamos estar num táxi, indo pra Ponta Porã, de onde vamos cruzar a fronteira a pé até Pedro Juan Caballero, no Paraguai, onde acho que dá pra fazer um documento novo para Cora. [...] Digo para Cora que vamos fazer uma maluquice, uma brincadeira muito legal, mudar o nome dela. Pergunto como quer se chamar daqui pra frente. Moana diz. Falo que esse não vale, é muito de princesa, muito de cinema, que tal algum mais normal, tipo Manuela, Carolina, ou Brígida, como a vó da Maju?. Ela não diz nada, está concentrada tentando espetar o macarrão, mas penso que depois preciso retomar a pergunta, escolher logo um nome e ir tirando Cora da nossa cabeça. [...]

Giovana Madalosso, Suíte Tóquio, 2021, pp. 22-23

- G. M. no «Encontro de Leituras» de Jan. de 22: - «resumo-vídeo» AQUI; «podcast», AQUI

domingo, 24 de julho de 2022

Ocampo, Silvina

 - de «As convidadas», de Silvina Ocampo, recortes de «A Escadaria»: 

    «[...] Vinte e cinco degraus. Quando ensinava as filhas a andar, contando-os um a um, [...] Agora, sozinha, volta a contá-los, após tantos anos, por mero hábito. 
     Um.. Este degrau tem a brancura do açucar. [...]
   [...] Quatro... Este degrau, suave, mas amarelado, assusta-a. Foi aí que encontrou o colar de pedras verdes e o guardou no bolso. [...]
    Cinco... O degrau do cansaço. Nunca, nunca está limpo. Um dia, por brincadeira, alguém defecou nas suas bordas. [...] 
    [...] Dez... O degrau mais tranquilo, mais feliz. Ali brincou com a trouxa de roupa como se fosse uma boneca. [...] 
  [...] Dezassete... Algumas baratas aventuram.se pelo rodapé. [...] Dá uma certa  pena. Há gente nojenta: deixam lixo na escadaria, caia onde cair: [...]
   [...]Vinte e três... Neste degrau cai a escuridão mais perfeita. [...] 

Silvina Ocampo, As convidadas, Antígona, 2022, pp. 45-49

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Miguéis

 Tal como no ano anterior, agora, no «734», texto de Miguéis; servem os comentários de Setembro de 2021 [...]

RECORTES:
     Logo de manhã cedo, o empreiteiro circula pela obra, com o meio charuto entalado entre os dentes, a barba crescida, o chapéu amachucado para a nuca, as calças arregaçadas, e um ar de permanente inquietação. Chove a cântaros, e em volta da casa é um chavascal. Ele não para, escorrega e pula pesadamente na lama argilosa da cerca, tropeça nos materiais, destemperando em pragas que lhe saem de mistura com a saliva, negra do charuto mastigado. Anda de guarda-chuva aberto e veem-se-lhe as ceroulas de fitas de nastro. Aquela casa é o seu pesadelo. Pelas salas sem conta, os operários trabalham dispersos – canteiros, pedreiros, estucadores, carpinteiros, pintores, eletricistas, canalizadores… 
     – Estas janelas ainda estão sem aparelho! A chuva inundou este quarto! O guarda, ponho-o na rua se me torna a deixar as janelas abertas! 
     – Mas as janelas ainda não têm vidros… 
     – Pois já deviam ter! Que faz o vidraceiro, que ainda não apareceu? 
      Tudo lhe corre às avessas. Todos os dias há alterações no projeto, vistorias, ideias novas. A voz tonitruante anda por todas as salas, por todos os andares, como um ciclone. E o cuspo negro, do eterno meio charuto apagado. Por todos os cantos trabalham homens, ajoelhados, de cócoras, em pé, trepados em escadotes, perdidos ao rés do teto: em silêncio, obstinados, resignados, a apurar, a retocar, a embelezar a casa do rico, dum homem qualquer, que eles nem sabem quem seja. [...] 

José Rodrigues Miguéis, «O Acidente», Onde a Noite se Acaba (1946), 7.ª ed., Lisboa, Estampa, 2000, pp. 192-194

sábado, 28 de maio de 2022

«Leonorama», Ana Hatherly

 - se, em Tempos, cada Bloco começava com «Tisanas» e, em «0910 CONT.al», Mia visitou A. H.... 
[D. não registou, só se lembra que a Qd.a veio «encantada»], 
... neste «Final final», havia que «testemunhar» essa Criadora de muitas Facetas e Expressões [...]...; 

[«em que ano foi sua professora» [???]; «na Faculdade» [???]; pensámos que teria sido antes....]

-... propõs as «6 Tisanas» dos anos COVID.s,, referiu um pouco da Vida-Obra, localizou o que, da Obra Plástica, «repousa» na GULB [...]; mas, como sempre, a «indiferença» só foi quebrada aqui e ali [...]

- levou as fotocópias das Variações de «Leonorama», mas o Arquivo «Pro-EX» rapidamente as «agilizou», a partir de uma edição «conjunta»: Anagramático, de Ana Hatherly, com quatro livros: A maldade semântica; A detergência morosa; Leonorana; Metaleitura, 1965-70. [Imagens][...]



quinta-feira, 5 de maio de 2022

«seios», M. do Rosário Pedreira

 - foi o «poema da SEMANA»,  do recente livro de M. do R. P., que: 
- «salvou» o 1.º de Maio;
- foi oferecido às MM.s, nos Qd.s da Frente
- foi lido nas «Aberturas» dos Qd.s 402 [...]:

seios

Mãe, oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão:
com o menino ao colo, fez-se a estrada maior do
que o meu desespero, amarrotou-se de velho meu
coração tão claro. Eu tinha catorze anos antes
 
do estrondo, catorze anos e meio antes do teu
grito, quinze anos cumpridos quando afastei o
véu dos teus cabelos: se me dizias sempre que não
fosse para longe, porque pediam o contrário os
teus olhos parados? Ainda por cima, mãe, chegar
 
ao campo foi como bater a uma porta cansada ꟷ
mil tendas que eram velas remendadas, barcos para
ficar de novo pelo caminho. Trouxeram-nos mantas
cheias de perguntas; tentaram-me com doces
para me pôr no lugar; mudaram ao meu irmão
a fralda com as mãos frias. Mãe, eu disse-lhes que
 
o menino era meu; e agora, quando ele procura os
teus seios no meu corpo sem formas, cubro com
o teu véu os meus cabelos e canto-lhes baixinho
canções de açucar. Não sei que idade tenho, mãe,
mas oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão.
 
Maria do Rosário Pedreira, o meu corpo humano, 2022 (abril), p. 45

- artigo, 

«Maria do Rosário Pedreira: um evangelho laico de louvor ao humano»

 de Helena Vasconcelos, no «Ípsilon», de 5 de Agosto

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Solidão (o direito à), por M. E. C.

 - Crónica de ontem de M . E. C. - que «vem mesmo a Talhe de Foice» para a Pausa da P. [...]

RECORTE (S):

[...]

A solidão é um intervalo. [...]
É preciso saber de um campo escondido no meio da cidade, ou de um pinhal longe de onde passam os carros. Mas é preciso ter maneira - tempo, autorização, vagar, transporte - para lá chegar.
É preciso poder fugir - mas ter onde voltar. A solidão feliz é sempre temporária. Não rejeita ninguém: refresca toda a gente.
Estar sozinho onde não está mais ninguém, olhando para as árvores e para a linha do mar, é matar uma saudade. É matar a saudade da solidão antes de nascermos - e [é matar a saudade] da solidão com que vamos morrer. [...]

[com sublinhados e acrescentos]


segunda-feira, 14 de março de 2022

o «Seiscentos Maluco» e o «Desprotegido da Sorte» OU «Nomes não escolhem destinos»

 [...] Ricardo Reis está sentado na mesmo banco, é raro acontecer, mas desta vez todos os outros estão ocupados, percebeu que o extenso diálogo dos velhos era para seu benefício, e pergunta, E essa alcunha de Seiscentos Maluco, donde é que lhe veio, ao que o velho analfabeto responde, O número dele na Carris era o seiscentos, puseram-lhe o nome de maluco por causa da tal mania, ficou Seiscentos Maluco, e foi bem posto, Não há dúvida. Os velhos tornaram à leitura, Ricardo Reis deixou vogar o pensamento à deriva, que alcunha me ficaria bem a mim, talvez o Médico Poeta, o Ida e Volta, o Espiritista, o Zé das Odes, o Jogador de Xadrez, o Casanova das Criadas, o Serenata ao Luar, de repente o velho que estava a ler disse, O Desprotegido da Sorte, era a alcunha de um larápio de pouca importância, carteirista apanhado em flagrante, por que não Ricardo Reis, o Desprotegido da Sorte, um delinquente também se pode chamar Ricardo Reis, os nomes não escolhem destinos.  [...]  [sublinhados acrescentados]

José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, pp. 412-413

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Mau-Tempo

[escolhe-se os excertos que os Infantes irão ler pelos quadrados, «leve iniciativa» que se retoma; neste ano dedicada ao «Centenário»; Excerto de um deles:

 Havia um largo, umas árvores que ramalhavam, bruscas. O homem parou a carroça, disse à mulher, Espera aí, e atravessou por baixo das árvores, na direcção duma porta iluminada. Era uma taberna e lá dentro estavam três homens sentados num escano, outro a beber ao balcão, segurando o copo entre o polegar e o indicador, assim como se estivesse parado para um retrato. E atrás do balcão um velho magro, seco, virou os olhos para a porta, era o homem da carroça que entrava e dizia, Boas noites a toda a companhia, esta é a saudação de quem chega e quer amizade de quantos sejam, por fraternidade ou interesse de negócio, Venho viver aqui em São Cristóvão, chamo-me Domingos Mau-Tempo e sou sapateiro. Disse um dos homens sentados sua graça, Mau tempo trouxe vocemecê, e o outro que bebia estava no fim do copo, deu um estalo com a língua e acompanhou, Não traga ele más solas, e os mais riram porque havia de quê e a propósito. Não seriam palavras de mal querer ou mal receber, é noite em São Cristóvão, todas as portas estão fechadas, e se chega um estranho que tem nome de Mau-Tempo, só um tolo não aproveita, demais tendo chovido. [...]

José Saramago, Levantado do Chão, 2.ª ed., 1980, Nov., p. 21 [dedicatória, datada de Nov. de 81, «Para a Zé»]

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Tratado da Mão

 - a fotografia é de Silvy Crespo - «The land of elephants» - DAQUI



- a «via» para lhe aceder foi o Dossiê de hoje, do P3 («Lítio e Barroso...»)