segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Chiado: Ilha dos Galegos + Estátuas

 [...] No Martinho do Terreiro do Paço, havia um ar de província na Baixa, que lhe agradava: ele era cada vez mais Bernardo Soares no seu labirinto.
      Estás a ver, Zé, a nova estátua do Chiado?, ali em cima, na Ilha dos Galegos?» Sim, houvera discussão acesa sobre a identificação da personagem que tinha ou não dado nome ao sítio. «Já há duas, a cinquenta metros uma da outra. uma está de pé a outra sentada...» prosseguia o Fernando: «Eu vejo-as todos os dias do carro eléctrico. E eram contemporâneos, e amigos, Camões e ele, ao que dizem...» Na Brasileira criticava-se a estátua académica, [...] «E ainda veremos o Pessoa em estátua, nas imediações...» acrescentava ele, com um sorriso enigmático. Chegara tudo isto aos ouvidos do Pacheco que se embalara, como de costume. «Daqui a quantos anos, Zé, achas tu que será?»... Não lhe queres falar nisso?» [...]

José-Augusto França, José e os outros - romance dos anos 20, 2006, p. 180

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

La Coca, OU Picasso por Rentes de Carvalho

 - lido em menos de dois dias; a «segunda metade», hoje, no H. da Luz, e nos transportes, com vários «Saltos»; Roteiro evocativo Galaico-Minhoto, da Época do  Contrabando à do Tráfico...

RECORTE(s):

     Essas discrepâncias do meu viver devia-as em parte a Madame, que nessa altura já regressara a Paris e vivia então num maravilhoso apartamento do número 7 da Rue des Grands Augustins. Picasso, {,,,9, un très cher ami, era o vizinho de cima e eu, com a admiração que o artista me merecia. quando me cruzava com ele [...0 fazia-lhe respeitosamente a vénia.
     Até ao dia em que o acaso quis que  o mestre viesse a sair quando Madame e e eu íamos a entrar. [...] Um aceno e um olá do mestre, em seguida uma afirmação críptica da minha amiga: José c´est le jeune homme dont je vos ai parlé. Corei, confuso por não saber do que se tratava e Picasso rindo da minha confusão agarrou-me familiarmente pelo braço:
    - Tudo acaba por se arranjar, meu rapaz, o principal é saber usar la coca.
    Por um instante petrifiquei, julgando que o génio da pintura tivesse perdido o juízo e me recomendasse ali sem rebuço o vício da cocaína. Mas no momento seguinte já ele apontava para a minha cabeça:    
    - La coca, hombre, la cabeza, la tête! Só se precisa dessa. O resto... - e com um floreado Au revoir! saiu para a rua.      

J. Rentes de  Carvalho, La coca (2011), 2023, pp. 195, 196