terça-feira, 29 de dezembro de 2020

«saudade pronta a vestir», por M. E. C.

 Recortes da Crónica de hoje - «A saudade espalhada», de M. E. C.:

     Uma coisa que a pandemia trouxe ao mundo inteiro foi a saudade.
[...] Ouço crianças que me falam como velhos numa casa de fados, evocando um Verão perdido, descrevendo o que perderam, lembrando-se de como era e duvidando que volte a ser assim.
     Já não interessam as idades: as cidades, as nacionalidades, as identidades. A todas custa. Todas se assemelham na consciência de não ter dado valor ao que desapareceu de um momento para o outro. Todas são capazes de conjugar a palavra saúde com a palavra saudade.
     É como se toda a gente tivesse perdido um ano. Nunca saberão como teria sido esse ano se não tivesse havido a pandemia. Teria sido como os anteriores? A saudade provoca esse engano de fazer caber todos os Verões num Verão roubado
[...]A saudade que até há pouco tempo era uma especialidade portuguesa tornou-se um passatempo universal – no sentido mais saudosista da palavra.
     Há aqui uma oportunidade única de negócio. Nenhuma literatura, nenhuma música, nenhuma azulejaria está tão impregnada de saudade como a portuguesa.
     Porque é que outras culturas hão-de perder anos a tentar tirar o sentido do que se passou, se a portuguesa já tem a saudade pronta a vestir?

 [sublinhados acrescentados]


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

«O teu jardim», Nuno Júdice

 - do último, de Julho, livro de Júdice; enviado como 11.ª «proposta» da »secção» «Acesso Bloqueado»...; há que aguardar..

O TEU JARDIM

Seguindo a sombra das árvores na relva,
vou ao teu encontro. Pousas no chão de pedra
os sapatos cor-de-rosa; e o sol salta sobre
o muro do fundo, seguindo o exemplo
da trepadeira. E desejaria então que o tempo
parasse para permaneceres neste verso,
na eternidade da tua saia vermelha e das tuas mãos
que seguram um livro ainda fechado. Pouco
importa o que nele está escrito: o que importa
são as imagens que adivinho
no fundo dos teus olhos em que se reflecte
uma grande árvore — essa que talvez converse
contigo, quando o vento agita
as suas folhas. Talvez isto seja um quadro
em que tudo é fluido, esbatido pelo brilho do sol; tu,
porém, olhas-me através desses fragmentos
de vida que passam através de nós, sobrepostos
como a superfície de cubos que nasce
do empedrado do chão. E abres o livro,
sublinhando as palavras que te procuram.
 
Nuno Júdice, Regresso a um cenário campestre, 2020 (Julho), D. Quixote, p. 56

domingo, 6 de dezembro de 2020

Assis Pacheco, 25 anos

- a fotografia foi copiada do OBS, de hoje, junto de um artigo de Nuno Costa Santos, «só para assinantes», pelo 25.º ano do seu falecimento; para «compensar», o vídeo da Tinta-da-China, pelo lançamento, em 2019, da «edição aumentada» de «A Musa Irregular»
[e ouvir A. B. Bap. «reconduz» D. à «Nova», aos «idos» de 86-89 [...]