sábado, 1 de fevereiro de 2014

Camões na Índia - Castro Mendes

CAMÕES NA ÍNDIA
Esteve nesta terra. Enojavam-no as mulheres,
pois só as de baixa casta aceitavam
vender-se aos brancos. Escrevia aos amigos
sobre as saudades que tinha dos bordéis de  Lisboa.
E fazia poemas para o Vice Rei.

A grandeza não cabe em nenhuma época,
em nenhuma terra,
até mesmo em nenhum ser humano de carne e osso.
Mas só ela dura!

Luís Filipe Castro Mendes. Lendas da Índia. Lisboa, D. Quixote, 2011, pp. 61



Recorte da Carta referida no poema:
[...] Se das damas da terra quereis novas, as quais são obrigatórias a üa carta como marinheiros à festa de S. Frei Pero Gonçalves, sabei que as portuguesas todas caem de maduras, que não há cabo que lhe(s) tenha os pontos, se lhe(s) quiserem lançar pedaço. Pois as que a terra dá? Além de serem de rala, fazei-me mercê que lhe(s)  faleis alguns amores de Petrarca ou de Boscan; respondem-vos üa linguagem meada de ervilhaca, que trava na garganta do entendimento, a qual vos lança água na fervura da mor quentura do mundo. Ora julgai, Senhor, o que sentirá um estômago costumado a resistir às falsidades de um rostinho de tauxia de üa dama lisbonense, que chia como pucarinho novo com a água, vendo-se agora entre esta carne de salé, que nenhum amor dá de si. Como não chorará «las memorias de in illo tempore!» Por amor de mim, que às mulheres dessa terra digais de minha parte que, se querem absolutamente ter alçada com baraço e pregão, que não receiem seis meses de má vida por esse mar, que eu as espero com procissão e pálio, revestido em pontifical, aonde estoutras senhoras lhe irão entregar as chaves da cidade, e reconhecerão toda a obediência, a que por sua muita idade são já obrigadas.
[...] [transcrita da Revista «Agulha», «Jornal de Poesia»:


Recorte do ensaio «O testemunho das cartas», de Helder Macedo:

[...] Na carta que escreveu pouco depois de ter chegado, em Setembro de 1553, a Goa (que caracterizou como "mãe de vilões ruins e madrasta de homens honrados"), Camões queixa-se amargamente das injustiças e traições de que teria sido vítima. Mas creio que esta carta é também um testemunho particularmente notável pelo que revela dos surpreendentes e nada convencionais usos erógenos do petrarquismo nos bordéis de Lisboa. Comparando nostalgicamente a "carne de salmoura" das prostitutas locais com as irresistíveis "falsidades" das suas literariamente sofisticadas congéneres lisboetas, "que chiam como pucarinhos com água", promete ir recebê-las pessoalmente, como um patriarca, de procissão e pálio, "se não recearem sofrer seis meses de má vida por esse mar", porque às prostitutas locais "fazei-me mercê que lhes faleis alguns amores de Petrarca ou de Bóscan: respondem-vos numa língua meada de ervilhaca, que trava na garganta do entendimento, a qual vos lança água na fervura da maior quentura do mundo".
[...]
Helder Macedo, «O testemunho das cartas», in  Camões e viagem iniciática, Abysmo, 2013 (17.º edição?), pp. 121, 122

[Carlos Vaz Marques, em «O livro do dia», de 13-11-2013, na TSF, fala sobre o livro de H. M]