quarta-feira, 1 de julho de 2020

«Branco», Nuno Júdice

- é o poema referido no «PERI» do Fecho de 1920:


BRANCO
a Eugénio de Andrade
Não queiras saber o que é o branco para
além do branco, a ilusão de que o mar
se prolonga nesse mar que o branco
devora, com os lábios do vento; nem
interrogues o rosto que se esconde
no horizonte do branco, onde só o
silêncio te dá a resposta que ignoras.
No entanto, se o olhar que esse
horizonte te devolve tem a luz do
rosto que só no branco entrevês,
quando o vento empurra as cortinas
do mar, talvez reconheças no seu
fundo o corpo que habita o céu
em que o branco coincide com o mar.
E nos olhos fechados de um rosto
preso à cama da madrugada, o branco
do horizonte submerge o mar que
avança por dentro do branco, como se
a luz do dia que o vento te abre
não fosse branca, como esse branco
lençol que esconde o corpo sob o mar.
E em cada nuvem que passa no branco
do céu, um rosto revela o branco
para além do horizonte que o branco descobre.

Nuno Júdice, As coisas mais simples, Lx., D. Quixote, pp. 50-51