domingo, 26 de fevereiro de 2012

Casa (como se desenha ...) por - Manuel António Pina


Vídeo da série «Ler mais ler melhor» - com depoimento do próprio M. A. P., finalizando com leitura de Poema

Frases soltas:
- «A Amizade também é um domicílio»;
- «A Amizade é o Porto de Abrigo que resta»;
- «Desconfiar dos versos que inteiramente se alcançam [... ] porque não vão além de mim»;

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Fernando Assis Pacheco - Há um veneno...

(para M. G., lá «longe-perto»)

(na E. de 15 de Dezembro do seu Território, escrevia: [...] E agora cheguei e em vez de ir dormir pus-me a ler F.A.P. Queria ter aqui um livro dele, sem ter de me pôr a ler os seus escritos na internet. Cada vez o percebo mais; [...]

[No posfácio à Antologia... , na página 553 da mesma, F. A. P. é referido como «um dos (poucos) grandes nomes ... do aparentemente escasso cânone da poesia da Guerra Colonial».]

Há um veneno em mim...

Há um veneno em mim que me envenena,
um rio que não corre, um arrepio,
há um silêncio aflito quando os ombros
se cobrem de suor pesado e frio.

Há um pavor colado na garganta,
e tiros junto à noite, e o desafio
(algures na escuridão) de alguma coisa
calando o fraco apelo que eu envio.

Há um papa que morre enquanto escrevo
estas linhas de angústia e solidão
há o fogo da Breda, os olhos gastos.

Há a mulher que espera confiada
um pálido vazio aerograma;
e há meu coração posto de rastos.

(Pacheco, Fernando Assis, A musa irregular)
RIBEIRO, Margarida Calafate, VECCHI, Roberto (org. e posfácio). Antologia da memória poética da guerra colonial. 2011, Porto, Afrontamento, p. 345

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Casa (como se desenha uma) - Manuel António Pina

[Outro poema do último livro de M. A. P.]

 [Uma casa]

Perde-se o corpo na inabitada casa das palavras,
nas suas caves, nos seus infindáveis corredores;
pudesse ele, o corpo, o que quer que o corpo seja,
na ausência das palavras calar-se.

Não, com nenhuma palavra abrirás a porta,
nem com o silêncio, nem com nenhuma chave,
a porta está fechada na palavra porta
para sempre.

O azul é uma refracção na boca, nunca o tocarás,
nem sob ele te deitarás, nas longas tardes de Verão
como quando eras música apenas
sem uma casa guardando-te do mundo.


Manuel António Pina, Como se desenha uma casa. Lisboa, Assírio & Alvim, 2011, p. 17



sábado, 4 de fevereiro de 2012

A poesia do Sr. Cirurgião Plástico, I - o inédito de sábado

Poema ao sábado                     Inédito
Bagagem perdida

E
quando encontras no bolso do casaco das viagens
pequenos papéis esquecidos pelo gesto de
os reteres? Não o fazes por acaso. Investes
na epifania de veres regressar à mão
uma entrada nos Uffizi (a
magnificência
do Vasa) as cores da
Casa Batlló. Nesses papéis onde a data é
o cotão do que passou
reside a ilusão de te evadires daqui –
deste país a fingir que não
te deixa crescer (Europa
de ouropel) lesto
a nivelar por baixo. Chegam-te
vindos do nada quando já nada esperavas
(assim é este país
quando tornas de viagem:)
estás no carrossel dos dias e
nunca mais é a tua mala
(nunca mais
é a tua mala) nunca mais é
a tua mala.

João Luís Barreto Guimarães

Público, P2, Sábado, 14 de Janeiro de 2012p. 9

João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto em Junho de 1967. Publicou o seu primeiro livro Há Violinos na Tribo, em 1989. Os seus sete livros de poesia encontram-se reeditados em Poesia Reunida (Quetzal, 2011).