sábado, 25 de fevereiro de 2012

Fernando Assis Pacheco - Há um veneno...

(para M. G., lá «longe-perto»)

(na E. de 15 de Dezembro do seu Território, escrevia: [...] E agora cheguei e em vez de ir dormir pus-me a ler F.A.P. Queria ter aqui um livro dele, sem ter de me pôr a ler os seus escritos na internet. Cada vez o percebo mais; [...]

[No posfácio à Antologia... , na página 553 da mesma, F. A. P. é referido como «um dos (poucos) grandes nomes ... do aparentemente escasso cânone da poesia da Guerra Colonial».]

Há um veneno em mim...

Há um veneno em mim que me envenena,
um rio que não corre, um arrepio,
há um silêncio aflito quando os ombros
se cobrem de suor pesado e frio.

Há um pavor colado na garganta,
e tiros junto à noite, e o desafio
(algures na escuridão) de alguma coisa
calando o fraco apelo que eu envio.

Há um papa que morre enquanto escrevo
estas linhas de angústia e solidão
há o fogo da Breda, os olhos gastos.

Há a mulher que espera confiada
um pálido vazio aerograma;
e há meu coração posto de rastos.

(Pacheco, Fernando Assis, A musa irregular)
RIBEIRO, Margarida Calafate, VECCHI, Roberto (org. e posfácio). Antologia da memória poética da guerra colonial. 2011, Porto, Afrontamento, p. 345