sexta-feira, 19 de agosto de 2016

«Artista enquanto jovem cão» (Retrato do) - Dylan Thomas

[lido ao longo dos primeiros dez dias, «de trás para a frente», não terminado]
Recorte:
A Sr.a Evans ouviu a última frase ao entrar na sala. Era uma mulher magra com traços azedos, mãos fatigadas, as ruínas de uns lindos olhos castanhos, e um nariz altivo. Mulher a quem nada chocava, (...) Quando sóbrio, o Sr. Roberts tratava-a por «minha senhora» e limitava-se às conversas sobre o tempo e as maleitas. Pôs-se  em pé de um salto e ofereceu-lhe a sua cadeira.
– Não, obrigada, Senhor Roberts – disse ela numa voz nítida e cortante. – Vou já para a cama. Nao me dou bem com o frio.
«Vai-te deitar, Maud horrorosa», pensou o jovem Sr. Thomas. Mas disse: «Não quer aquecer-se um pouco, Senhora Evans, antes de subir?»
Ela fez que não com a cabeça, dirigiu um sorriso crispado aos quatro amigos, [...]
– Isto hoje não passa da meia-noite, Maud, prometo. (...)
«Dorme ferrada, sua emproada.»
– Não os incomodo mais, meus senhores – disse ela. (...)
O Sr. Roberts tirou do bolso do lado lápis e canetas. «Onde está o precioso manuscriptus? [...]
O Sr. Humphries e o Sr. Thomas puseram os seus cadernos nos joelhos, pegaram cada um num lápis, e ficaram a observar o Sr. Evans que abria a porta do relógio de pêndulo. Debaixo dos pesos oscilante via-se um maço de papéis atados com uma fita azul. Papéis esses que o Sr. Evans colocou em cima da escrivaninha.
– Está aberta a sessão – disse o Sr. Roberts. – Vamos lá ver onde íamos nós. Tem aí a ata, Senhor Thomas?
– Nas Margens do Tawe – disse  o Sr. Thomas. – «Romance da Vida Provinciana. Capítulo Um : uma descrição transversal da cidade, Docas, Bairros Pobres, Subúrbios, etc.» Ficou acabado. O título escolhido foi: «A Cidade Pública». O Capítulo Dois deverá chamar-se «Vidas Privadas» e o Senhor Humphries fez a seguinte proposta: «Cada colaborador escolherá uma personagem de cada esfera ou estrato social da cidade e apresenta-a aos leitores com uma breve história da vida delas até ao ponto em que começa a nossa história, ou seja, o inverno do presente ano. [...]


de «Nas margens do Tawe», in Dylan Thomas, Retrato do artista enquanto jovem cão e outras histórias– Ficção completa, Livros do Brasil, 2015, pp. 249-250