quarta-feira, 26 de junho de 2024

«Noctilucente», de «Nocturama»; Luís Quintais

 - de recente livro de Quintais, com cerca de 94 poemas... 

NOCTILUCENTE

Nuvens brilham no escuro.
As mais raras, tão frequentes agora.
Fantasmas do hemisfério norte

deslocam-se para sul.
Estamos na sombra da terra.
Objectos atravessam a fronteira

invisível, que as latitudes não contêm.
São mais frequentes agora
que estamos na sombra da terra,

agora que estamos em Seattle,
em Uppsala, em Buryatia,
e medimos as concentrações

de metano,
e o apocalipse tem expressão
estatística.

Alguém anunciou
o fim do mundo
e foi apenas fim-de-semana,

um pandemónio de expectativa,
feroz espera. Mas estamos
na sombra da terra e as metáforas

são de vidro queimado.
Noctilucentes nuvens são vitrais.
A luz aflige-se na catedral.

                                  Luís Quintais, Nocturama, 2024, pp. 132-133