- de recente livro de Quintais, com cerca de 94 poemas...
NOCTILUCENTE
Nuvens brilham no escuro.
As mais raras, tão frequentes agora.
Fantasmas do hemisfério norte
deslocam-se para sul.
Estamos na sombra da terra.
Objectos atravessam a fronteira
invisível, que as latitudes não contêm.
São mais frequentes agora
que estamos na sombra da terra,
agora que estamos em Seattle,
em Uppsala, em Buryatia,
e medimos as concentrações
de metano,
e o apocalipse tem expressão
estatística.
Alguém anunciou
o fim do mundo
e foi apenas fim-de-semana,
um pandemónio de expectativa,
feroz espera. Mas estamos
na sombra da terra e as metáforas
são de vidro queimado.
Noctilucentes nuvens são vitrais.
A luz aflige-se na catedral.
Luís Quintais, Nocturama, 2024, pp. 132-133