sexta-feira, 12 de julho de 2024

«na idade das sílabas», Mário Lúcio Sousa

  [terminado, após duas ou três interrupções...]; o Motivo da Infância no RECORTE escolhido:

                [...] «Em Bafatá, por exemplo, sua cidade umbilical, onde aprendeu a dizer mamé, a usar os joelhos e as palmas das mãos para empurrar para trás o mundo, a andejar aos trancos os barrancos, ele, Amílcar, viveu apenas até aos três anos. Nem teve tempo para fazer amigos, tão divinos para um menino. Mal começou a brincar, a mãe o chamou, banhou, vestiu e levou a Geba, outra cidade, para conhecer Juvenal, visto que o filho estava na idade das sílabas e convinha ajustar ao seu prematuro vocabulário a urgente pronúncia de Baba e as suas quarenta derivações, como é a palavra pai nas línguas das crianças da Guiné. Em Geba, ele, Amílcar, olhou para longe a partir da varanda, caçou lagartos em frente de casa, coleccionou sementes e folhas debaixo do colchão e na gaveta da escrivaninha do pai, brincou de riscar garatujas no massapé do solar, solicitou outros colegas para trebelhar, mas, infelizmente, tão pouco tempo teve para amizades, pobrezinho, pois meio começou a brincar e, antes do segundo golo por entre a porta abalizada, a mãe gritou-lhe Para o quintal, confiscou-lhe a bola de meia, banhou-o na tina a fumegar, trajou-o com roupa nova de ocasião e levou-o ao cais, de onde aproaram rumo á cidade da Praia de Santa Maria, a capital de Cabo Verde.»
 
                  Mário Lúcio Sousa,  A última lua de homem grande, 2022, p. 47
[OUTRO RECORTE]