segunda-feira, 29 de abril de 2024

»Labirinto Primordial» (O Bosque)

 - rapidamente aceite a (recente) referência, do «Horas Extraord.as»,  a esta 1:ª Obra; na p. 205 (de 261), a 30;

RECORTE(s):

    Enquanto jantavam, esperou que a professora tivesse comido o pão e não morresse naquela noite. Se ela não morrer, eu paro de copiar os trabalhos de casa do Piero quando voltarmos para Turim. Paro de dar pontapés aos pombos, ainda que nunca lhes consiga acertar. Paro de assoar o nariz às mangas.
     Mais tarde, na cama, saboreou os lençóis de algodão passados a ferro e fez saltar as molas do colchão, esfregou as bochechas contra as almofadas de penas e sentiu a lã do cobertor. [...]
     Martino estava em segurança e seco, [...] Pensou nela lá em cima, no bosque, sozinha, a  aguentar a humidade e a escuridão; e, enquanto adormecia, o bosque voltou  a ser o  dos contos de fadas, o lugar do perigo e da proibição, o lugar antigo e carnívoro onde vive o lobo, onde as crianças se perdem e são abandonadas, encontram o ogre e a bruxa. O labirinto primordial. 

Maddalena Vaglio Tanet, Voltar do bosque, 2024, p. 94

sexta-feira, 26 de abril de 2024

(Impossível) Anonimato («Os Memoráveis»)

 RECORTE(S):

[...] Um do nós disse em plena reunião. Companheiros, por mim, não se referirá mais a minha pessoa, quando se falar do assalto ao aeroporto. [...] O protagonista que em mim houve, morreu. A partir de agora, quem assaltou o Aeroporto de Lisboa, na noite de vinte e cinco, quem manteve o céu encerrado à aviação durante toda a operação? Foram todos, isto é, cinco mil. Quem assaltou a Rádio Televisão? Cinco mil. Quem dominou o Quartel-General, uma vez que não foste tu, nem ele, nem eu? Foram eles, os cinco mil.[...]

LídiaJorge, Os memoráveis (2014), 2024, p. 98 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

A madrugada (depois de Sophia)

A madrugada (depois de Sophia)

Veio sem mundo por vir.
Veio sem caução depois da noite velha.
Veio antes ou depois do pensamento, a parte animal
que lhe servia. Por dentro das casas
e nas ruas. Para não matar, os militares bebiam
o último litro de sangue das flores. Para não
matar, para inventar
a madrugada, quer dizer a violência de uma nudez.
Veio a espera dos corpos, quer dizer
a alegria. Veio a manhã solta
como malha na saia de uma rapariga.

                                                      Andreia Faria (em «Revolução já! Poesia Pública»)