O que é a esperança? Um animal com penas, pensei. Preferia ser capaz de a descrever
de um modo menos obtuso. Ser capaz de pôr num dia a eternidade a germinar lentamente,
isso sim. isso seria uma das formas de esperança reconhecível.
Alguém, com passos ágeis, procura dominar o desgosto que nos trouxe a esta sala.
Procura apaziguar a biologia, os fluxos e refluxos que a animam, a prometida destruição.
Alguém vigia por turnos a instabilidade da vida. Tem por ofício prognósticos humildes,
uma cronologia de sábios gestos que o uso torna incertos e verdadeiros ou verdadeiros
e incertos (a ordem dos termos tornou-se arbitrária).
A esperança é uma hipótese que anotámos no caderno mais próximo,
esse que está em cima da mesa aguardando uma visita do acaso.
"Um animal com penas", in Arrancar penas a um canto de cisne - Poesia 2015-1995, Assírio & Alvim, outubro de 2015
[transcrito da Coluna «Cem por Cento» , de Nicolau Santos, Expresso - Economia, de hoje] [durante uma pequena pausa dos Envelopes)
- «Esperança é a coisa com penas» (Emily Dickinson)
- «Esperança é a coisa com penas» (Emily Dickinson)