Paisagem com a Queda de Ícaro, de Pieter Bruegel, o Velho |
Há uma célebre pintura do mestre renascentista Pieter Bruegel, o Velho, que Homi Bhabha, um dos mais importantes autores dos estudos pós-coloniais contemporâneos, acha que nos deve continuar a fazer pensar. [...]
[...] o título completo da pintura de Bruegel é Paisagem com a Queda de Ícaro. Um título que encerra um programa, porque o que a composição nos oferece é uma imagem do mundo a seguir o seu curso enquanto ali, num pequeno detalhe do canto direito, um jovem que tentou voar alto de mais está a morrer afogado sem que ninguém sequer note a sua tragédia em curso.
Ao centro, em primeiro plano, um agricultor fixa os olhos no chão enquanto guia o arado com que trabalha a terra. Mais abaixo, um pastor acompanhado pelo seu cão guarda distraidamente um rebanho de ovelhas enquanto observa o céu azul. E depois, lá em baixo, há o enorme navio de velas desfraldadas que agarra o nosso olhar e lança sombra sobre as pequeninas pernas de Ícaro, que caiu de cabeça e está a segundos de desaparecer de vez nas plácidas águas verdes da baía.
Supostamente, a obra está feita na terrível perspectiva de Dédalo, a observar impotente, lá de cima, a desgraça do seu filho. O que leva à pergunta de Bhabha: “Afinal, quem é hoje a testemunha moral do sofrimento humano?” Esta, diz ele, é uma das perguntas que a Cultura pode lançar ao mundo. Uma pergunta auto-reflexiva, ou não será o papel de testemunha um dos lugares de sempre da Cultura? É uma hipótese de reflexão. Outra, diz Bhabha, é pensar se a Cultura não será o detalhe periférico e secundarizado que nos faz reconsiderar todo o sistema, exactamente como as pernas de Ícaro – quando por fim damos por elas. [...]