Recortes da Crónica de hoje - «A saudade espalhada», de M. E. C.:
Uma coisa que a pandemia trouxe ao
mundo inteiro foi a saudade.
[...] Ouço crianças que me falam como velhos numa casa de fados,
evocando um Verão perdido, descrevendo o que perderam, lembrando-se de como era
e duvidando que volte a ser assim.
Já
não interessam as idades: as cidades, as nacionalidades, as identidades. A
todas custa. Todas se assemelham na consciência de não ter dado valor ao que
desapareceu de um momento para o outro. Todas são capazes de conjugar a palavra
saúde com a palavra saudade.
É
como se toda a gente tivesse perdido um ano. Nunca saberão como teria sido esse
ano se não tivesse havido a pandemia. Teria sido como os anteriores? A saudade
provoca esse engano de fazer caber todos os Verões num Verão roubado
[...]A saudade que até há
pouco tempo era uma especialidade portuguesa tornou-se um passatempo universal
– no sentido mais saudosista da palavra.
Há
aqui uma oportunidade única de negócio. Nenhuma literatura, nenhuma música,
nenhuma azulejaria está tão impregnada de saudade como a portuguesa.
Porque
é que outras culturas hão-de perder anos a tentar tirar o sentido do que se
passou, se a portuguesa já tem a saudade pronta a vestir?