IV
Nunca vi ninguém morrer sem medo.
Tínhamos medo nós a pressionar artérias
tinham medo os que viam o sangue a derramar-se
gritavam pela mãe mais do que por Deus.
Por Deus certa vez eu chamei muito
primeiro para dentro como quem reza
depois em desespero aos berros:
«Vem depressa vem depressa.»
Mas quando o helicóptero chegou já era tarde.
Meu caro poeta cardeal: Deus não me ouviu.
Chamei-lhe nomes blasfemei:
«O gajo é surdo.»
Não diga nada ao papa eu gosto dele
mas a verdade é esta
Deus não me ouviu.
anos depois o meu coração parou
os alarmes soaram no hospital
não sei se Deus ouviu a campainha
o que sei é que o médico não era surdo
deu-me dois choques e ainda estou aqui.
a quem oferecer o pirilampo
que está dentro de nós
faúlha de uma estrela desaparecida
acende e apaga acende e apaga
no princípio e no fim a morte e a vida
depende de quem chega ou não a tempo
um helicóptero o médico
acende a apaga
acende e apaga um só momento.
ninguém me viu ontem em Babilónia
quem sabe se amanhã verá
tempo só hoje
tempo sem antes nem depois
como acertar no poema a rotação da Terra
ou declinar o fluxo das marés?
SMS não é a minha escrita.
Será que Deus twita?
Faz como ele: clica e apaga
clica e apaga.
[IV «Canto» de X];