[deslocado de Alpabiblio, assim escapando ao «Apaga-Apaga»]
Na Mão Esquerda de T., caminho do Paraíso 1213, vem agora diariamente um pesado volume: As Luzes de Leonor, de Maria Teresa Horta
«Polifonia de Vozes», em curtas narrativas de prosa lírica.
Na Mão Esquerda de T., caminho do Paraíso 1213, vem agora diariamente um pesado volume: As Luzes de Leonor, de Maria Teresa Horta
«Polifonia de Vozes», em curtas narrativas de prosa lírica.
Foi «Empréstimo-Oferta» de Eli. De boa vergonha ficou T. Vai pela p. 66.
«Antes de recolher à cela e apesar da aragem fresca que o outono levanta, Leonor vai sentar-se debaixo da árvore da cerca do convento, rosto entre as mãos abertas a cobrirem a extrema palidez: nauseada, estômago tolhido por uma intensa cãibra de fome que a faz dobrar-se sobre si mesma. Há dois dias que não come, jejum imposto por disciplina religiosa; apenas a água parece aliviá-la, refrescando-lhe os lábios ressequidos e gretados.
Aterrada com o que lhe dizem as madres, secretamente manobradas pelos jesuítas entretanto expulsos, de o convento representar para ela o único refúgio seguro à perseguição de Sebastião de José de Carvalho e Melo, passara as últimas semanas na igreja, reflectindo na possibilidade de tomar o véu.
As noites leva-as sem dormir, seguindo apaixonadamente a leitura dos poemas e outros escritos de Teresa de Ávila, o que a conduz à meditação e à espiritualidade, mas também à consciência da tibieza da própria vocação.
[...]
É tarde, a hora de deitar passara há muito. Iluminando a noite, o céu espalha os seus luzeiros ao longo do negrume do vale. Sentada nas macias folhas do outono que entretanto chegara, Leonor fixa as estrelas lá no alto, sentindo a mão do pai na sua, como quando em liberdade ambos iam pelos jardins da casa a descobrir os astros. E finalmente sabe com exactidão aquilo que quer fazer na sua vida.
Então recua, recusa, nega-se a professar.
Para prisão basta-lhe a que lhe impõem há seis anos, sem que jamais, por um só dia, tenham conseguido proibir-lhe o sono. A partir desse momento a decisão está tomada: escolhe o destino entretecido pela poesia.
Não carece de outra desmesura.»
Maria Teresa Horta. As Luzes de Leonor. Lx, D. Quixote, Maio de 2011, pp. 64-65